domingo, 3 de junho de 2018


PRIMEIRA LIÇÃO

A MAIS BELA DAS TEORIAS


Quando jovem, Albert Einstein passou um ano viajando. Quem não perde tempo não chega a lugar nenhum, coisa que, infelizmente, os pais dos adolescentes esquecem com frequência. Ele estava na cidade italiana de Pavia. Tinha ido ao encontro da família após abandonar os estudos na Alemanha, onde não suportava o rigor do liceu. Era o final do século XIX e, na Itália, o início da revolução industrial. O pai, engenheiro, instalava as primeiras centrais elétricas na planície do rio Pó. Albert lia Kant e, informalmente, assistia a aulas na Universidade de Pavia: como passatempo, sem estar matriculado nem fazer exames. É assim que se desenvolve um verdadeiro espírito de investigação.

Depois, se inscreveu na Universidade de Zurique e mergulhou na física. Poucos anos mais tarde, em 1905, enviou três artigos à principal revista científica da época, Annalen der Physik. Cada um dos três valia um Prêmio Nobel. O primeiro mostrava que os átomos existem de fato. O segundo abria a porta à mecânica quântica, da qual falarei na próxima lição. O terceiro apresentava sua primeira Teoria da Relatividade (hoje chamada “relatividade restrita”), a teoria que esclarece como o tempo não passa do mesmo jeito para todos: dois gêmeos que se reencontram constatam ter idades diferentes, se um dos dois tiver viajado velozmente.

Einstein se torna de repente um cientista renomado e recebe ofertas de trabalho de várias universidades. Mas algo o perturba: sua teoria da relatividade, por mais que tenha sido imediatamente celebrada, não se encaixa no que sabemos sobre a gravidade, isto é, sobre como as coisas caem. Ele se dá conta disso ao escrever uma resenha sobre sua teoria, e se pergunta se a antiga e pomposa “gravitação universal” do grande pai Newton não deve também ser revista, para tornar-se compatível com a nova relatividade. Mergulha no problema. Serão necessários dez anos para resolvê-lo. Dez anos de estudos enlouquecidos, tentativas, erros, confusão, artigos equivocados, ideias fulgurantes, ideias erradas. Finalmente, em novembro de 1915, ele publica um artigo com a solução completa: uma nova teoria da gravidade, à qual dá o nome de “teoria da relatividade geral”, sua obra-prima. A “mais bela das teorias científicas”, como a chamou o grande físico russo Lev Landau.

Existem obras-primas absolutas, que nos emocionam intensamente: o Réquiem de Mozart, a Odisseia, a Capela Sistina, O rei Lear... Captar-lhes o esplendor pode exigir um percurso de aprendizado. Mas o prêmio é a beleza pura. E não só: também se abre aos nossos olhos uma nova visão do mundo. A Relatividade Geral, a joia de Albert Einstein, é um desses prêmios.

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Mas, entre todos os numerosos avanços do nosso saber, ocorridos um após outro no curso da história, aquele realizado por Einstein talvez seja sem igual. Por quê? Em primeiro lugar, porque a teoria, depois que compreendemos como funciona, é de uma simplicidade arrebatadora. Resumindo a ideia:


Newton havia procurado explicar a razão pela qual as coisas caem e os planetas giram. Imaginara uma “força” que atrai todos os corpos, um em direção a outro, e a denominara “força da gravidade”. Como essa força conseguia atrair coisas que estão longe uma da outra, sem que houvesse nada no meio, não havia como saber, e o grande pai da ciência evitara cautelosamente arriscar hipóteses. Newton também havia imaginado que os corpos se movem no espaço e que o espaço é um grande recipiente vazio, um caixote para o universo. Uma imensa estante na qual os objetos deslizam em linha reta, até que uma força os leva a fazer uma curva. De que é feito esse “espaço”, recipiente do mundo, inventado por Newton, isso tampouco havia como saber.


Mas, poucos anos antes do nascimento de Albert, dois grandes físicos britânicos, Faraday e Maxwell, tinham acrescentado um ingrediente ao frio mundo de Newton: o campo eletromagnético. O campo é uma entidade real difundida por toda parte, que transporta as ondas de rádio, preenche o espaço, pode vibrar e ondular como a superfície de um lago, e “leva consigo” a força elétrica. Einstein era fascinado desde jovem pelo campo eletromagnético, que fazia girarem os rotores das centrais elétricas construídas pelo pai, e logo compreendeu que também a gravidade, como a eletricidade, certamente é transportada por um campo: devia existir um “campo gravitacional”, análogo ao campo eletromagnético; ele procura então compreender em que consistia esse campo gravitacional e quais equações poderiam descrevê-lo.


Eis que surge a ideia extraordinária, o puro gênio: o campo gravitacional não seria difundido no espaço; ele seria o próprio espaço. Essa é a ideia por trás da teoria da relatividade geral.


O “espaço” de Newton, no qual as coisas se movem, e o “campo gravitacional”, que transporta a força de gravidade, são a mesma coisa.



É um momento de eureca. Uma simplificação impressionante do mundo: o espaço já não é algo diferente da matéria; é um dos componentes “materiais” do mundo. Uma entidade que ondula, que se flexiona, se curva, se retorce. Não estamos contidos numa invisível estante rígida: estamos imersos num gigantesco molusco flexível. O Sol dobra o espaço ao seu redor, e a Terra não gira em torno dele porque é puxada por uma misteriosa força, mas porque está correndo em linha num espaço que se inclina. Como uma bolinha rolando em um funil: não existem misteriosas “forças” geradas pelo centro do funil; é a natureza curva das paredes que faz a bolinha rolar. Os planetas giram em torno do Sol e as coisas caem porque o espaço se curva.


Como descrever esse encurvamento do espaço? O maior matemático do século XIX, Carl Friedrich Gauss, o “príncipe dos matemáticos”, desenvolveu as equações para descrever as superfícies curvas bidimensionais, como a superfície das colinas. Depois pediu a um bom aluno seu que as generalizasse para espaços curvos de três ou mais dimensões. O aluno, Bernhard Riemann, produziu uma complicada tese de doutorado, daquelas que parecem completamente inúteis. O resultado era que as propriedades de um espaço curvo são capturadas por certo objeto matemático, que hoje denominamos curvatura de Riemann e indicamos por R. Einstein escreve uma equação que diz que R é proporcional à energia da matéria. Ou seja: o espaço se curva onde existe matéria. Só isso. A equação cabe em meia linha, nada mais. Uma visão — o espaço que se curva — e uma equação.


Mas dentro dessa equação há um universo cintilante. E aqui se abre a riqueza mágica da teoria. Uma sucessão fantasmagórica de predições que parecem os delírios de um louco, mas que foram todas comprovadas empiricamente.

Para começar, a equação descreve como o espaço se curva em torno de uma estrela. Por causa dessa curvatura, não só os planetas orbitam em torno da estrela, mas também a luz deixa de viajar em linha reta e se desvia. Einstein também prevê que o tempo passa mais depressa no alto e mais devagar embaixo, perto da Terra. Faz-se a medição e constata-se que é verdade. A diferença é pequena, mas o gêmeo que viveu à beira-mar reencontra o gêmeo que viveu na montanha um pouco mais velho do que ele. É só o início.


Depois que uma estrela massuda queima todo o seu combustível (o hidrogênio), ela acaba se extinguindo. O que resta já não é segurado pelo calor da combustão e desaba esmagado sob o próprio peso, até curvar o espaço tão fortemente a ponto de afundar dentro de um verdadeiro buraco. São os famosos buracos negros. Quando eu estava na universidade, eles eram previsões pouco críveis de uma teoria esotérica. Hoje são observados no céu às centenas, e estudados em detalhes pelos astrônomos. Mas não é só isso.



O espaço inteiro pode se distender e se dilatar; ou, melhor, a equação de Einstein indica que o espaço pode não estar parado, mas em expansão. Em 1930, a expansão do universo é efetivamente observada. A mesma equação prevê que a expansão deve ter brotado da explosão de um jovem universo, extremamente pequeno e quentíssimo: é o Big Bang. Mais uma vez, ninguém acredita nisso, mas as provas se acumulam, até que no céu é observada a radiação cósmica de fundo: o clarão difuso que resta do calor da explosão inicial. A previsão da equação de Einstein está correta.



E, ainda, a teoria prevê que o espaço se encrespa como a superfície do mar, e os efeitos dessas “ondas gravitacionais” são observados no céu em estrelas binárias, e coincidem com as previsões da teoria até a assombrosa precisão de uma parte em 100 bilhões. E assim por diante.



Em suma, a teoria descreve um mundo colorido e espantoso, onde universos explodem, o espaço afunda em buracos sem saída, o tempo se desacelera quanto mais baixo se está sobre um planeta e as ilimitadas extensões do espaço interestelar se encrespam e ondulam como a superfície do mar... E tudo isso, que ia emergindo aos poucos do meu livro roído pelos camundongos, não era uma fábula contada por um idiota num momento de delírio, ou o efeito do ardente sol mediterrâneo da Calábria, uma alucinação sobre o tremeluzir do mar. Era realidade.






Ou, melhor, um olhar em direção à realidade, um pouco menos velado do que o da nossa ofuscada banalidade cotidiana. Uma realidade que parece feita da mesma matéria de que são feitos os sonhos, e ainda assim mais real do que o nosso enevoado sonho cotidiano.






Tudo isso como resultado de uma intuição elementar: o espaço e o campo gravitacional são a mesma coisa. E de uma equação simples, que não resisto a transcrever aqui, embora meu leitor certamente não vá poder decifrá-la; mas eu gostaria que ele ao menos visse sua grande simplicidade:



Rab – ½ R gab = Tab




Só isso. Sem dúvida, precisa-se de um percurso de aprendizagem para digerir a formulação matemática de Riemann e dominar a técnica para ler essa equação. São necessários dedicação e esforço; menos, porém, do que os requeridos para chegar a sentir a rarefeita beleza de um dos últimos quartetos de Beethoven. Entretanto, em ambos os casos o prêmio é a beleza, e olhos novos para ver o mundo.










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